quarta-feira, 29 de maio de 2013

Mas, Mas, Mas

Escutei a pouco que existe um limite tênue, acinzentado, entre ser um excelente amador ou um profissional medíocre. O lado bom de ser artista amadora é que além de ficar com o excelente eu ainda posso assumir meus defeitos.
Como profissionais são deficientes em assumir defeitos! Até quando falam de si mesmos." Meu defeito é ser perfeccionista".Ah, para.
Eu também sou perfeccionista, diz meu horóscopo. Só que meu amadorismo grita comigo todo dia. Ô bichinho arengueiro. Faz picuinha com tudo. Cheio de mas, mas, mas. Não me deixa produzir.Sair da inércia. Faço e desfaço. Leio e releio. Escrevo e apago.O nome disso pra mim é medo. Digo logo que sou medrosa ao invés de perfeccionista. Isso mesmo, costumo amarelar, correr do pau.
A sorte é que amador também é teimoso, o mesmo que persistente pros profissionais. Então resolvi seguir o conselho de Xico Sá e ler O Zen e a Arte da Escrita, Ray Bradbury. Ele me fez um convite irrecusável:

"Toda manhã, pulo da cama e piso num campo minado. O campo minado sou eu. Depois da explosão, passo o resto do dia juntando os pedaços. Agora é a sua vez, pule!"

Eu que já pulei do trapézio, da montanha e do avião, topei.



terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ponta do Novelo

Da última sessão de terapia saí com a difícil tarefa de me conhecer melhor, de me observar, de não mentir pra mim mesma, de tentar saber um pouquinho mais do que tá embrenhado aqui dentro. Em meio a tantas perguntas da psicóloga, uma ressoou mais que as outras: "o que você espera dessa pessoa?" Pensei nisso a semana toda, até que ao abrir o blog do Carpinejar encontrei quase todas as respostas. Fiz umas adaptações e aí está. Acho que pra começar é isso.
 
Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão dos meus irmãos. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença. Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca desista de conversar mesmo quando não sei mais falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos. Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém que confie se a porta está fechada e o café desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado como se ainda fosse perfume. Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que goste de me telefonar para narrar como foi seu dia. Espero alguém que me ceda um espaço acolchoado em seu peito quando estiver cansada. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçada. Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que goste de domingo em casa, de acordar tarde e de andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas. Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir.

terça-feira, 29 de maio de 2012

ABRE TODAS AS PORTAS
Abre todas as portas: a que conduz ao ouro,
a que leva ao poder, a que esconde o mistério
do amor; a que oculta o segredo insondável
da felicidade, a que te dá a vida
para sempre no gozo de uma visão sublime.
Abre todas as portas sem que pareças curioso
nem dar importância às manchas de sangue
que salpicam os muros das habitações
proibidas, nem às jóias que revestem os tetos,
nem aos lábios que buscam os teus na sombra,
nem a palavra santa que espreita nos umbrais.
Desesperadamente, civilizadamente,
contendo o riso, secando tuas lágrimas,
no limiar do mundo, no fim do caminho,
ouvindo como cantam os rouxinóis,
não duvides, irmão: abre todas as portas.
Mesmo que nada exista dentro.
(de Los mundos y los días, 1998)

Os Trapalhões e o Ayrton Senna tinham horário reservado nos meus domingos de infância. Vibrava, ria, chorava, assistí-los era emoção garantida. Mas foi o Sílvio Santos quem me apresentou a desilusão toda vez que dizia "Que se abram as portas da Esperança" e nada existia dentro. Não, a esperança não podia dar com a cara na porta, os burros n'água.Acho que começou aí a vontade de abrir todas as portas.
Minha esperança está aos cacos. Não encontro a porta que oculta o segredo insondável da felicidade. Enquanto isso contenho o riso, seco as lágrimas desesperadamente, civilizadamente.

segunda-feira, 26 de março de 2012

À Vovó Terezinha.

Sabe aquela vontade que dá no meio de uma tarde qualquer?Vontade de brigadeiro, de correr, de ir ao cinema, de falar com um amigo distante, de perturbar o irmão. Pois é. Deu vontade de ser velha. Ser velho é ser livre. Ser velho é não ter pressa, não ter obrigação.Envelhecer é deixar pra trás a cobrança de ser o mais popular, o mais bonito, o mais inteligente, o melhor dos seres humanos de todo o mundo.Envelhecer é dar lugar as rugas, ao bem estar, a fazer o que se quer, quando se tem vontade.Vejo isso na minha vó.
Um sábado desses assisti ao filme O Palhaço. Lindo, como eu sempre achei que deva ser um filme sobre circo.Um tanto de magia e alegria e também um punhado de realidade e equilíbrio. Antes mesmo do filme acabar resolvi tirar da gaveta o projeto mofado de escrever sobre minha família de artistas. Família ...não tem um um que seja a cara do outro.Família leve e forte.
Já ouvi todo tipo de comentário por ser de uma família circense: "Que Lindo"," palhaça"," mas você é meio artista, não é a pessoa que eu quero pra mim". O campeão é : "você sabe fazer o quê?" sem graça, digo,ah! eu só passava férias no circo. Artista, artista mesmo, não sou não.
Quando acho que não vão rir deixo escapar que legal mesmo é ser a partner do mágico. Ser cortada ao meio e em segundos estar refeita! Sair de dentro da mala das espadas, virar flor, pássaro, coelho!Ser e não ser!Minhas melhores lembranças da infância. Tirando a Jane, é claro. Minha elefanta de estimação.
Até que hoje à tarde me atentei de que não quero mais ficar pelo caminho. Ser obra inacabada. Já que não sou artista por inteiro, ao menos quero ser livre por inteiro.
Nesse passeio entre ser velha, livre e artista cheguei na minha Vó Terezinha. Ela é a primeira escolhida da família a se apresentar ao público, não no picadeiro, aqui no meu blog.

O LONGO CAMINHO DO CORAÇÃO FEMININO

Não há como escapar. Eu, fugidia, disfarço, mudo de assunto.Inútil.O assunto da hora é casamento. No almoço de domingo, na hora do cafezinho do trabalho, nas cerimônias religiosas ou não. Passaram as festas de quinze anos, as formaturas, a comemoração do primeiro emprego. O casamento tá na crista da onda, reina sozinho. E como isso me incomoda.
Minha mãe casou três vezes, nenhuma deu certo. Não a culpo pelos meus medos, mas considero ter bastante experiência em separação. Sei a dor de ir embora e ainda mais a de ficar.Procurar o outro pela casa, quase chamar pra ver a matéria na tv, comer ouvindo o barulho da própria mordida. A frase do poetinha " do riso fez-se o pranto", sem dramas, é bem real. Onde havia burburinho, casa cheia, briga pelo controle remoto, há silêncio. Depois de um tempo a gente aprende a viver assim e até gosta, mas não sem dor.
Bem, acho que já é uma boa introdução pra eu dizer o quanto NÃO quero me separar.NÃO, eu não quero. Por isso casar, pra mim, é uma decisão irrecorrível, não dá pra voltar atrás. Não dá pra errar.
Então, sempre que sei do casamento de alguém, ainda que não seja íntimo, pergunto "mas você tem certeza?Como você descobriu que era ele(a)?Quais são os sintomas? Busco, em vão, o caminho mais seguro.
Paguei caro o preço da dúvida, de não decidir no momento certo. Fui incompreendida, a mais complicada, bicho de sete cabeças. Hoje, só hoje, eu prefiro rir com texto do blog do Carpinejar:

"Se você está casado, é um vencedor. Merece cada volta completa na rede. Cada ronco do mate. Sobreviveu a toda a desconfiança feminina, a todos os testes que sua musa impôs a um relacionamento.

A mulher tem um Desenvolvimento de Recursos Humanos na alma para escolher seu par perfeito. Um Hans Christian Andersen introjetado para recrutar parceiros.

Ela não se casa com qualquer um, é uma longa seleção a partir de contos de fadas como A Pequena Sereia, Os Sapatinhos Vermelhos, A Princesa e a Ervilha e A Polegarzinha.

Se usa aliança na mão esquerda, desbancou superstições, crendices e conselhos. Já pode escrever um livro de autoajuda e descrever sua façanha.

Desde os três anos, a mulher responde a enquetes sobre como ser feliz no romance. É veterana no assunto. Seus olhos carregam o pdf da Sabrina (o pretendente pode fazer download no primeiro encontro).

Se você está casado, é um vitorioso. Superou concorrentes desleais e pré-requisitos dificílimos. Escapou das premonições da sogra, que vivia dizendo a sua filha com quem ela poderia se envolver e de quem não deveria nem se aproximar, driblou o olho gordo dos cunhados e do sogro, que tentaram desqualificar a aproximação de ectoplasmas masculinos. Ninguém ajudou a chegar aonde você se encontra, no lado direito ou esquerdo da cama, com direito a um abajur e uma gaveta no criado-mudo.

O matrimônio é uma batalha épica somente igualável à fecundação. No seu percurso até o óvulo, o espermatozoide teve que enfrentar inimigos como os espermicidas e o preservativo, barreiras biológicas como o baixo pH vaginal e glândulas mucosas e vencer a licitação pública de 200 a 500 milhões de espermatozoides.

Em seu caminho ao coração de sua dona, não há moleza. Condicionado a achar a saída do labirinto do mapa astral, convergir com os horóscopos, fechar com o retrato falado da revista Capricho, saciar as sinopses dos filmes favoritos e atender as expectativas das canções de Chico Buarque. Não é tarefa para fracos e pobres de espíritos.

Justifica receber de presente o pay per view da Libertadores.

Escapou da sabatina do Congresso do Amor, resistiu à CPI da Transparência, desmentiu suspeitas durante o namoro, abriu as contas no noivado. Deixou para trás ciganas loucas por um cigarro, e saiu ileso das profecias da cartomante em alguma tenda ou fundos de residência (sua cara-metade ouviu o jeito que você seria no tarô, e cruzou as informações com suas palavras e atitudes minuto a minuto).

Não foi barbada. Sua esposa mantém uma câmera escondida no rosto, confirmando evidências e comparando padrões. Ela não escuta, analisa. Não fala, soluciona. Não esquece, guarda arquivos temporários.

Se você está casado, é um afortunado. Valorize a si mesmo. Ou cumpriu o impossível, ou sua mulher deu cola para você passar na prova e subir ao altar."
Fabrício Carpinejar.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Nada de auto censura, nada de coisinhas simpáticas só pra ter comentários bonitinhos, nada de angústia a flor da pele. Nada de palavras pré-fabricadas, intencionalmente usadas, previamente programadas.Quero escrever, só. Resolução de ano novo. Escrever porque até o amor se dilui no tempo.
Hoje eu quero escrever palavras que não são minhas, mas bem que podiam ser, porque quando faço aniversário não consigo fugir do fardo do tempo nos ombros. Lá vai:


EMBRIAGUE-SE - Charles Baudelaire
É preciso estar sempre embriagado.
Isso é tudo: é a única questão.
Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.
Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.
E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão:
"É hora de embriagar-se!
Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser".